Nos meandros da teoria política moderna, a ética e a política são frequentemente separadas, como se fossem domínios independentes e até mesmo antagônicos. Segundo Maquiavel, considerado o fundador da teoria política moderna, a política é a arte de conquistar e se manter no poder, regendo-se pelos princípios da eficácia e da busca de resultados, sem necessariamente considerar a moralidade ou a religião. Nessa perspectiva da conquista e da manutenção do poder, os fins justificam os meios. No entanto, uma reflexão mais profunda, especialmente à luz da filosofia clássica, de matiz grega e cristã, nos conduz a uma visão diferente.
Na visão clássica, ética e política são indissociáveis. Ambas são ciências práticas e visam o bem do ser humano. A ética, enquanto ciência prática, é a arte através da qual o indivíduo cultiva a virtude em vista do seu bem pessoal, que, por sua vez, está necessariamente relacionado com o bem comum (Catecismo da Igreja Católica, n. 1905). A política, através do cultivo das virtudes cívicas, é a arte de buscar não o bem pessoal, mas o bem coletivo. Assim, a política é vista como um serviço à coletividade em busca do bem comum. O exercício do poder é legitimado quando está intrinsecamente ligado ao propósito de promover o bem-estar da sociedade, utilizando meios moralmente aceitáveis para alcançá-lo.
O conceito de bem comum, central na ética cristã, refere-se ao conjunto de condições que possibilitam a todos os membros da sociedade atingirem sua plenitude (Catecismo da Igreja Católica, n. 1906). Isso inclui o respeito e a promoção dos direitos fundamentais, o desenvolvimento espiritual e material da comunidade, bem como a garantia da paz e segurança para todos os seus membros (Catecismo da Igreja Católica, n. 1925).
Na perspectiva cristã, o poder é compreendido como serviço. O maior não é quem manda, mas quem serve. Jesus Cristo, em seus ensinamentos e exemplos, exaltou a virtude do serviço como a verdadeira expressão de liderança (Mateus 20, 17-28). Ele próprio, sendo o Filho de Deus, esvaziou de si mesmo e assumiu a condição de servo (Filipenses 2, 6-7), lavando os pés de seus discípulos e ensinando que o maior é aquele que serve a todos (João 13, 1-14).
A autoridade, por sua vez, é concebida como uma responsabilidade que visa o bem comum. Ela emana de Deus (Romanos 3, 1-2) e, portanto, deve ser exercida de acordo com os princípios da justiça e da verdade. A legitimidade moral da autoridade não é autoatribuída, mas reconhecida quando se conduz em conformidade com o bem comum, agindo como uma força moral baseada na liberdade e na responsabilidade.
A moralidade na vida pública encontra suas raízes nos princípios morais de conduta válidos para todo homem, como codificado pelo Decálogo. Estes incluem deveres na relação com Deus e com o próximo, como reconhecer o Sagrado e jamais manipulá-lo, a proibição do roubo e da corrupção, a proibição da violência, o respeito à vida e à dignidade humana, a busca pela justiça social e o respeito pelo direito do outro. Segundo a parábola do administrador infiel contada por Jesus (Lucas, 10, 1-13), uma gestão responsável e eficiente se fundamenta na honestidade com que o administrador lida com o bem que não lhe pertence: “Quem é fiel nas pequenas coisas, também é fiel nas grandes; quem é desonesto nas pequenas coisas, também é desonesto nas grandes. Pois se vocês não forem honestos com as riquezas deste mundo, quem vai pôr vocês para tomar conta das riquezas verdadeiras?” (Lucas, 16, 10-12).
O resgate dos valores éticos na política e na gestão pública exige um retorno aos princípios fundamentais da moralidade, conforme ensinados pelas mais relevantes tradições éticas, como a judeu-greco-cristã. Conforme o ensinamento de Jesus de Nazaré, o serviço constitui a verdadeira expressão do poder. Exercer a autoridade implica promover e respeitar os direitos e a dignidade de todos os membros da sociedade. Somente através do compromisso com o bem comum e da prática da justiça social é que se torna possível construir uma sociedade mais justa, democrática, solidária e ética.